03 outubro 2016

FRAGMENTADA

Pinta a boca de vermelho
As unhas de preto.
Metade onça
Metade mulher.
Bate a porta,
Escancara a alma...
Livre?
 Talvez...
Fragmentada.
Olhos Nus
Pele ... à flor.
Guiada pela lua...
Mesmo quando soterrada pelas nuvens.
Mergulha na  noite
E se deixa ser
A cada gole de Gim...
Tônica.
Ora frágil,
Ora cheia,
Ora à parte...
Em tempo real.
Fugazes beijos
Distorções virtuais.
Flashes de neon
Vozerio de Babel...
Vivendo intermitentes
Amores de viés...



09 setembro 2016

O CAOS EM ORDEM

Tudo estava no lugar.
A mesa de centro, sobre ela, os livros de arte,
sempre folheados por alguma eventual visita.
O tapete felpudo sob a mesa de jantar de oito lugares,
Quase nunca utilizada.
Os quadro pendurados ,simetricamente,
Iluminados  por pequenos abajures de pés.
O sofá de couro e suas almofadas
Em tons pastel... As discretas cortinas de voal.

Tudo estava em seu devido lugar...
E qual lugar ocupava a alegria?

Tudo tão organizado!
O freezer combinando com a geladeira e o fogão.
Cinzas.
Alvos panos de partos pendurados. Impecáveis!
Dispensa farta.
Porta copos, Porta pratos. Porta xícaras. Porta talheres
Estrategicamente posicionados.
Tudo prático.

Tudo perfeitamente em seu devido lugar.
Mas não havia lugar para o desejo.

Tudo muito. Muito organizado.
Frascos de perfumes, cremes e maquiagens
De um lado da bancada.
Espumas de barba, lâminas de outro.
Podia-se ver refletido no  espelho,
Que tomava toda parede,
A banheira de hidromassagem, quase intacta.
Toalhas separadas por cores.
As dele. As dela.
Contrastavam com o porcelanato branco.
Difusores perfumavam o ambiente.

Tudo  limpo. Impecável.
Espantosamente sem paixão.

Tudo milimetricamente arrumado.
A cama king size entre dois criados mudos.
Uma bela gravura sobre a cabeceira.
O canto reservado para leitura,
aproveitando a claridade natural.
Lençóis de puro linho.
Colchas macias.
Travesseiros de penas de ganso.
No porta retrato, escondido atrás do computador,
Ainda se olhavam  e até sorriam.

Tudo estava em seu devido lugar.
E o amor? E a vida?

Em constante apneia.
It's So Empty Here - Audrey Kawasaki

01 setembro 2016

DIALOGANDO COM CLARICE - QUARENTA E NOVE ANOS DEPOIS

ENDEMIA  NACIONAL


HUMM!!!! AHHH!   -  ou um profundo suspiro !!!!
Rio de Janeiro, 31 de agosto de 2016. Quarta – feira. Quase 20 horas. Chego em casa. No escuro, me jogo no sofá.
Mais um suspiro profundo !!!
Finda o dia. Não uma quarta  qualquer.
Finda o mês. Não um agosto qualquer.
Finda , neste dia do presente mês do corrente ano, a democracia brasileira. Alvejada por sórdidos abutres.
Entre a constatação da perda e a certeza da luta em resistência; permito-me à tristeza. Afinal de contas, o jogo foi sujo. O desejo de 54 MILHÕES de brasileiros foi assassinado  à queima roupa.
Preciso de ajuda para elaborar e organizar meus pensamentos/sentimentos. Em momentos desse tipo, a ARTE SALVA. 
 ME salva!
Ouço música. Rabisco o ladrilho do banheiro. Declamo poesia. Danço e pinto o sete. Mas no fim ... leio Clarice. Ela tem sempre algo a me dizer.
Hoje, neste 31 de agosto sombrio, deparei –me  com uma crônica que é – metade desejo, metade previsão – mas  toda esperança a respeito do nosso país.
Em 1967, no auge da DITADURA MILITAR, Clarice escreve ao JORNAL DO BRASIL:

Daqui a Vinte e Cinco Anos
Perguntaram-me uma vez se eu saberia calcular o Brasil daqui a vinte e cinco anos. Nem daqui a vinte e cinco minutos, quanto mais vinte e cinco anos. Mas a impressão-desejo é a de que num futuro não muito remoto talvez compreendamos que os movimentos caóticos atuais já eram os primeiros passos afinando-se e orquestrando-se para uma situação económica mais digna de um homem, de uma mulher, de uma criança. E isso porque o povo já tem dado mostras de ter maior maturidade política do que a grande maioria dos políticos, e é quem um dia terminará liderando os líderes. Daqui a vinte e cinco anos o povo terá falado muito mais.
Mas se não sei prever, posso pelo menos desejar. Posso intensamente desejar que o problema mais urgente se resolva: o da fome. Muitíssimo mais depressa, porém, do que em vinte e cinco anos, porque não há mais tempo de esperar: milhares de homens, mulheres e crianças são verdadeiros moribundos ambulantes que tecnicamente deviam estar internados em hospitais para subnutridos. Tal é a miséria, que se justificaria ser decretado estado de prontidão, como diante de calamidade pública. Só que é pior: a fome é a nossa endemia, já está fazendo parte orgânica do corpo e da alma. E, na maioria das vezes, quando se descrevem as características físicas, morais e mentais de um brasileiro, não se nota que na verdade se estão descrevendo os sintomas físicos, morais e mentais da fome. Os líderes que tiverem como meta a solução económica do problema da comida serão tão abençoados por nós como, em comparação, o mundo abençoará os que descobrirem a cura do câncer.

Clarice Lispecto, in Crónicas no 'Jornal do Brasil (1967)' 

Clarice... Demorou mais de 25 anos... Foram necessários  35 anos, para que, finalmente, começássemos a afinar  “uma situação económica mais digna de um homem, de uma mulher, de uma criança.”
  O caos vigente em 67, foi o início da luta. O povo não se acovardou, lutou arduamente. Você acompanhou quase todo o processo... Infelizmente, partiu  antes do histórico movimento DIRETAS JÁ!! Foi em 1984. Perdemos, é bem verdade, mas quatro anos mais tarde, trabalhamos e conquistamos uma nova  CONSTITUIÇÃO... Com mais direitos para o povo e reconquistamos integralmente a liberdade de expressão.
O combate passou a ser franco e aberto.
Naquele momento, muitos brasileiros ainda passavam fome, mas a representatividade popular começava a se consolidar.
Tinha um sindicalista no meio do caminho. No meio do caminho tinha um sindicalista.
Ao lado dele, uma multidão de cidadãos, querendo mudança!
Mas, os marajás, ainda eram mais fortes, em 1989!! O povo encontrava-se  em processo de amadurecimento político.
Bem fez você em não arriscar determinar o futuro do Brasil para 1992.  Mesmo com toda sua inteligência e sensibilidade, receio que não imaginaria o impeachment do Presidente Marajá Collorido!
Algo começava a feder, á direita da mídia!! No entanto, malhamos o ferro, em nossa causa, fervente,  por mais 10 anos... Até que em 2002, o “ povo lidera os líderes”, como você desejou- pressentiu  em 1967. 
A fome de milhões de brasileiros estava com os dias contados!!
Os líderes que assumiram em 2002, lutaram e praticamente erradicaram a fome. Certamente ficaria feliz e aliviada em ver...
Clarice... você desejava, pressentia... Pena não ter presenciado!!
 Era gente ostentando carne no prato, fruta na geladeira, viajando de avião para visitar a família nos confins do Brasil... Comprando a casa própria, juntando dinheiro na poupança... Proletário, que antes era quase lumpesinato, vendo filho tirar diploma de doutor !!!
Acho que nem em seus melhores sonhos, havia imaginado um avanço desses... Olha, lhe digo, que, se sua Macabea  iria desistir do príncipe encantado,  procuraria  um supletivo e terminava entrando na Universidade, pelo sistema de cotas... Sim... Negro e pobre, finalmente, ganharam vantagem nessa vida !!
Você acompanhou o iniciozinho da consolidação dos direitos dos trabalhadores, lá... em priscas eras Vargas ... Mas a situação melhorou foi muito!!! O patronato  teve que se enquadrar... Não chegou a dividir o lucro com os funcionários... Mas que viu diminuir para pagar benefícios... Isso viu!!
É claro que nem tudo era um mar de rosas, Clarice. Mas se eu pudesse te trazer de volta para ver como o Brasil se tornou um país mais próspero, internacionalmente respeitado... Acho que agora, você vai rir muito!! Chegamos a emprestar dinheiro para o FMI !!! Confessa... Isso nunca te passou pela cabeça, não é mesmo?
Não parou por ai... Elegemos nossa primeira Presidenta!!! Sim...  Uma mulher. Duas vezes!!
Entretanto, com tanto pobre se dando bem... Com tanto preto frequentando restaurante, com tanta empregada exigindo seus direitos, com tanta gente aprendendo a refletir criticamente... A burguesia se incomodou... A  mídia manipulou, muita gente se alienou e cuspiu no prato que comeu...
Pior ainda... Foi tanto ódio acumulado ao longo desses 14 anos de doses homeopáticas de igualdade social  que, hoje, cospem racismo, escarram homofobia, arrotam misoginia, ruminam machismo e cagam  em nome de uma pseudo justiça e moral.  Nossa sociedade está muito doente, Clarice. Mais do que estava em 1967.
Hoje, 49 anos depois da publicação de sua crônica-desejo-de-um-Brasil-melhor... Chego a conclusão que a grande  endemia nacional, nunca foi a fome. Sempre foi o egoísmo!

HUMM!!!! AHHH! HUMM! AHH!  -  ou um profundo suspiro !!!!
Mais uma vez, obrigada! É sempre muito bom dialogar com você!
Vou dormir. Amanhã já será setembro.
Os velhos “ movimentos caóticos” reinstauraram-se.
 Mas seguiremos em luta. Pela dignidade de homens. Mulheres. Crianças.

Não ouso prever  o quanto . Lutaremos o tempo que for  preciso!
HU

01 março 2016

ESTRANHEZA

 Quando revelamos nossa total ausência de instinto materno.

Quando decidimos pela independência,liberdade e, coragem de viver nossas escolhas,sem nos esconder.
Quando vamos para a noite, sozinhas,sentamos num bar e tomamos váarioos drinks.
Quando não nos importamos , com estrias,celulites,culotes e curtimos nossa praia de boa!!
Quando chegamos aos 40 e, casamento, nunca esteve nos planos.
Quando somos mantenedoras e o marido o "dono de casa".
Quando sentimos desejo e, resolvemos transar na primeira noite.
Quando pagamos sozinhas nossas contas, sem a ajuda de nenhum macho alfa...
Quando, de repente, machos alfas, não fazem o nosso tipo!
Quando não fazemos ouvidos de mercador para assédios disfarçados de inocentes cantadas e,exigimos respeito.
Quando somos a presidenta de uma nação.
Quando levamos nossos namorados para casa.
Quando, no jogo da conquista, resolvemos tomar a iniciativa.
Quando criamos nossos filhos sozinhas.
Quando damos um basta num relacionamento que nos violenta de de diversas formas.
Quando chegamos em casa, com o dia amanhecendo,sapatos nas mãos,maquiagem borrada,depois de ter dançado a noite inteira.
Quando recusamos padrões.
Quando dizemos sim.
Quando dizemos não.
Quando questionamos.
Quando argumentamos.
Quando decidimos.
Quando amamos sem culpa!
Quando o gênero, não nos limita.
Ainda,causamos muita estranheza!!!
imagem: Maria Alm

25 fevereiro 2016

NA REAL

Temos vivido entre...

Muitos emojis,

Poucos sentimentos,

e,

Raras  verdades!!!

Imagem: Picasso


23 fevereiro 2016

DÍZIMA PERIÓDICA

Quando a saudade é só de um,

O desejo não é divisível por dois.

Noves fora...

Resta a dor!


Imagem: Carne Griffiths

03 fevereiro 2016

NOSSO TEMPO

Aproveita essa sua
Clausura de silêncio
E ouça o que minha alma te diz :
Vai e leva contigo
 todo o meu espaço.
Leva todo o meu ar.
Leve o tempo que precisar
E, segue, sem pressa,
Sob esse infinito azul.
Enquanto estivermos
Distantes de nós...
Viveremos outros beijos,
Viveremos outros corpos, 
Viveremos outros risos,
Viveremos outras madrugadas,
Viveremos outras canções,
Viveremos outros sonhos,
Viveremos outros olhares,
Viveremos outros filmes,
Viveremos outros abraços,
Viveremos outras fantasias...
Um dia,
Essa sua tempestade passa
E, viveremos, livres...

Nossa paixão. Nossa história.
Foto: Patrícia de Paula

26 janeiro 2016

DESPAIXÃO

E, no fim, o que resta...
Um tanto de desilusão
Umas olheiras, a mais
Uns quilos, a menos
Novas neuroses
Regresso de velhos fantasmas
Fotos deletadas
Perfis bloqueados
Canções amaldiçoadas
Locais intransitáveis
Lembranças insistentes
Ressacas apoteóticas
Mais um animal de estimação
Gastrite
Rinite
Tendinite
Otite
Talvez, um úlcera duodenal
Certamente, recorrentes crises de enxaqueca.
O profundo questionamento: “Mas quem ele pensa que é?”
A efêmera certeza do: “ Comigo, nunca mais!!”
Uma súbita crise de amnésia
Seguido de um fulminante ataque de esperança e...
Esse poema, sem sentido

"Mulher em frente ao espelho"
Picasso

22 janeiro 2016

AO NOSSO BEL-PRAZER

Despudoradamente fluidos...
Suor
Dentes
Saliva
Línguas!
Voluptuosa dança corporal
Balé gravitacional
Úmidas coxas
Mudos sorrisos
Rijos músculos
Entregues...
Em meio a arfantes suspiros,
Distantes de seus abismos
Por, infinitos, instantes
Se permitem ser um só!
Perfeito encaixe:
Dedos
Lábios
Olhos
Silêncios...
Ar. Inspiração.
Costas
Pelos
Pélvis

Desritmadas contrações
Murmúrios guturais
Gozo
Êxtase
Tríplice prazer:
Corpo
Alma
Espirito
Livres. Leves. Prontos.

Para recomeçar.

Foto: Autor desconhecido