28 março 2020

POEMA EM TEMPO REAL OU... QUARENTENA - DIA 15

POEMA EM TEMPO REAL
OU... QUARENTENA – DIA 15
Hoje eu ouvi alguém tentando aprender a tocar piano no prédio em frente.
Sei que estava aprendendo porque o espaço de tempo
entre uma nota e outra durava uma eternidade...
Me deu muita vontade de te contar isso!
Ando com vontade de te contar um monte de coisas...
Queria te contar que te conhecer foi um susto bom!
Certamente você descobriria, não fosse a ruptura do isolamento forçado e necessário.
Nesta nova rotina, tenho tido muito tempo para pensar.
Quase sempre você atravessa meu pensamento...
por isso tenho vontade de te contar tudo!
Amenidades e profundezas!
Coisas de antes, muito antes de te conhecer e de agora.
Sabia eu detesto recolher roupa do varal?? Elas ressecam ,às vezes ,por lá...
E não consigo guardar roupa pelo lado do avesso.
Minha mãe dizia que o anjo da guarda sai do nosso corpo.
Por via das dúvidas, nunca ousei. Mais do que nunca precisamos dos anjos da guarda!
A maior parte do tempo, nesta nova rotina, tenho passado lendo, estudando...
Tentando produzir para manter a sanidade.
Numa das minhas incursões pela poesia achei um poema do Julio Cortázar que me lembrou você .
Dizia assim: “ O que mais gosto de teu corpo é o sexo
O que mais gosto de teu sexo é a boca
O que mais gosto de tua boca é a língua
O que mais gosto de tua língua é a palavra!”
Compaixão é uma palavra que me remete a você.
Você exerce compaixão diariamente, percebi em nosso primeiro encontro e isso me arrebatou.
Sim, sou dada a arrebatamentos.
Sou intensa e grave, confesso! Mas sou também riso frouxo e maré baixa.
O mar, inclusive, é uma coisa que amo!! Nasci perto do mar, isso já te contei.
O que não te contei é que, apesar de amar o mar
passei vários verões da minha adolescência trancada em casa lendo Clarice.
Tudo por vergonha do meu corpo. Aos 15 anos o mundo parece mais cruel.
Esses verões e Clarice me ajudaram a forjar a mulher que sou hoje. A mulher que ainda sente a crueldade do mundo e, exatamente por isso, não se esconde mais dele.
Aprendi a fincar pé.
Estar em casa não tem sido difícil para mim, nesses tempos estranhos! Amo o meu canto!
Ela nunca esteve tão organizada, não que antes fosse uma zona!
Uso um chinelo para andar dentro de casa e outro para andar no meu pequeno terraço! Mesmo antes do vírus já fazia assim... mania!
Outro lugar onde me sinto completamente em casa é na coxia de um teatro.
Sou bicho do palco. Bicho da arte. Há um preço nisto. Pago de bom grado!
Não tenho puderes em me expor através da arte. Outra despesa fixa!
Imagino que você já tenha percebido, em outro contexto, que não sou de pudores.
Por falar em outro contexto, noite dessas, no meio da insone madrugada,fechei os olhos e te senti inteira.
Cheiro. Voz. Boca. Barba cerrada. Nossos gostos misturados no beijo.Nossas mãos entrelaçadas e crispadas amassando o lençol.
Respirações descompassadas .Corpos amalgamados. Êxtase!!!
Por impulso quase te ligo.
No entanto, me contive.
Ser impulsiva e visceral me proporcionou momentos preciosos ao longo da minha vida e grandes encrencas, também!
Hoje procuro utilizá-las com maturidade e parcimônia.
Aqui, na minha pequena área externa, bate sol exatamente entre às 12:15h e 14:05h.
Todos os dias,nesta nova rotina, tenho vestido meu biquíni e escandalizado alguns vizinhos e vizinhas.
Não sei ao certo se pela exposição do corpo de biquíni fora do ambiente padrão ou se porque durante este intervalo tenho acompanhado meus cantores preferidos na minha play list preferida.
Sigo em dúvida pois: tenho um coração , sou desafinada e não tenho controle sobre o meu desejo de cantar!
Não vivo sem música, acho importante você saber disso.
A primeira coisa que faço ao acordar é ligar o rádio.
Provavelmente herdei da minha mãe esse gosto. Apesar da casca austera ela trabalhava cantarolando. Me parecia doce e triste.
Eu te conheço pouco mas te sinto muito. Você também me parece austero e doce.
Sinto por você um afeto desconcertante.
Quero te dizer tudo isso olhando nos olhos, quando essa tempestade passar.
Quero te dizer que você me inspirou esta crónica/poema e me inspira de muitas outras formas.
Quero te dizer!
Por ora...
Boa noite, aqui de Santa Teresa!
PS.: O meu mojito é famoso entre os amigos. Minha madrinha, nas festas de família, me pede para fazer o que ela chama de “ Chazinho verde”. Toma uma dose e gargalha carnavalescamente.
Talvez essa informação seja irrelevante para você. Talvez você se reconheça nela. Tomara que sim. É que desta vez, não pude conter o meu impulso!
Rio de Janeiro, 28 de março de 2020.