13 maio 2015

A VELHA HISTÓRIA

               Quando seu celular tocou não reconheceu o número. Animada atendeu, afinal, um número estranho pode se tratar de algo além de um simples engano.
      A voz do outro lado disse seu nome em tom de pergunta, era alguém querendo realmente encontra-la, fato que lhe trouxe muita felicidade, principalmente por ser  uma  voz  masculina. Poucos homens a procuravam.
      Bastaram três palavras para que soubesse de quem se tratava, mas fingiu não lembrar. Só tinham se visto uma única vez, numa noite daquelas que saímos dispostas a realizar loucuras. E de fato fazemos loucuras!!!
      Depois que ela se “recordou” da pessoa com quem falava, a conversa tomou rumos mais íntimos, relembrando os momentos loucos e deliciosos que viveram... Desejaram felicidades para o ano que acabava de começar, contaram onde haviam passado o Natal, enfim, o papo apesar de diversificado foi rápido, pois ela estava no meio da rua tentando pegar um táxi.
      Quando  entrou no carro já havia desligado o telefone e se desligado do mundo, tomada por uma sensação boa que há muito não sentia. Desejava e muito que ele ligasse, mas dada as circunstâncias em que haviam se conhecido, acreditava que não passaria de uma noite apenas. Única e  inesquecível, ao menos para ela.
      Era época de final de ano, tempo em que todo o estresse do mundo se concentra somente dentro de nós, os problemas pipocam, o cansaço é desesperador. Para ela todo final de ano era assim. Tinha a sensação  de que Deus a esquecia  durante o ano todo e, para não se sentir injusto em relação as outras pessoas que havia passado um ano de cão, despejava de vez, todos os pepinos, abacaxis e jacas que deveriam ter sido paulatinamente distribuídos ao longo dos meses...
      Tinha acabado um namoro antigo, daqueles do tipo certificado de curso de datilografia do SENAC, perde-se a utilidade, mas não conseguimos jogar no lixo. Faz parte da nossa história. Logo, não estava mal, apenas desacostumada com sua nova situação.
      Para dar uma relaxada, mesmo  em plena semana, foi a  vernissage de uma amiga.Na verdade não poderia faltar,havia acompanhado todo o processo de criação de perto e foi uma das grandes incentivadoras. Tomou uma, duas, três, quatro, taças de vinho e já  era a mais animada do grupo para esticar a noite em uma quadra de escola de samba.
      Entrou na quadra e no clima!  Liberou a mulata ancestral da sua árvore genealógica. O mais impressionante é que ela estava incrivelmente sensual no seu modo desengonçado e desequilibrado de sambar. Foi o que  disseram os amigos, os mesmos que a acompanharam no vernissage, nas taças de vinho e nas atuais latinhas de cerveja.
      O melhor de tudo é que fazia tempo que ela não se divertia tanto! Não sabia sambar mas adorava samba, o sangue entrava em ebulição ao som da bateria... Estava em êxtase carnavalesco! Exatamente o que chamou a atenção do homem alto, bronzeado e de sotaque carregado que se aproximou dela.
      Trocaram algumas gracinhas inteligentes e atracaram - se num beijo de provocar inveja em qualquer um dos sambistas presentes. Ambos ignoraram os amigos. Dançavam, sorriam, conversavam, brincavam e se beijavam como velhos conhecidos!
      Atraídos por uma necessidade de sentirem-se íntimos de um estranho, continuaram a madrugada no apartamento dele.
      Não pensaram nos riscos que corriam. Ele, poderia ser um louco, tarado que freqüenta quadras de escolas de samba com o intuito de  atrair  suas vítimas para o local do crime, que em seus planos macabros de assassino em série  chama carinhosamente de “zona de dispersão”, utilizando um jargão carnavalesco. Ela, poderia ser uma ladra experiente, que se diverte quando a vítima é interessante e depois lhe aplica um “boa noite John Boy” utilizando uma técnica desenvolvida no melhor estilo Mata Hari de ser.
       Na realidade o único risco que importava para eles naquele momento era o de não se agradarem. Mas isso definitivamente não aconteceu. A madrugada continuou sendo maravilhosa.   Falaram de suas vidas, brevemente, é verdade, sem muitos detalhes, um currículo superficial, somente para aplacar a curiosidade e consciência. Não tinham a intenção de se apegarem a  bobagens. Tinham mais o que fazer. Cada um com seus motivos, precisava  daquele momento de prazer verdadeiro.
      Quando o dia amanheceu ele a deixou no trabalho.  Se despediram com carinho e respeito, tão verdadeiros quanto o prazer trocado. Ao descer do carro teve a certeza de que jamais  voltaria a encontrá-lo. Até receber o tal telefonema. Seria Deus tentando remediar-se?
      Assim que chegou em casa contou para uma amiga que sabia de toda a história e que também tinha plena convicção de que ele não ligaria nunca mais. A justificativa? Havia cedido no primeiro encontro... O secular machismo... Mulheres não podem ceder aos seus impulsos e desejos?   
Nem todos os homens são hipócritas. Felizmente!
      Nos dias seguintes continuaram se falando, pelo telefone. Ela sabia que ele vivia uma relação complicada, era digamos... comprometido. Mas estava em processo de separação. Morava  há pouco no Rio de Janeiro, e gostava da companhia dela, do jeito dela, das coisas que ela fazia e dizia. Eram diferentes, mas se curtiam, de maneira igualmente diferente.
      Por várias vezes ela pensou em não atender aos seus telefonemas, em esquecer, deixar na lembrança. Mas não conseguia, estava encantada!
       Havia certo limite da parte dele, ela sabia de sua vida até a página cinco. Ele em compensação tinha até as suas referências bibliográficas.
      Um dia com toda a verdade que possuía, ele ligou dizendo que estava em renegociação com a quase futura ex - esposa. Não poderiam mais se encontrar. Ela, com a mesma segurança da mulher moderna que sempre demonstrou ser, lhe deu completa razão e incentivo. Sempre acreditou que de um jeito qualquer, fora da normalidade, ele gostava da mulher.
      Seguiu sua vida, com a mesma sensação de quando desceu do carro dele naquela primeira vez. Desejava reencontra-lo, mas sabia que as possibilidades eram mínimas.
      Uma tarde, quieta em casa, o telefone tocou. Dessa vez, reconheceu o número. Colocaram o papo em dia. Naquela tarde e em outras tardes e madrugadas. Sempre se falavam de madrugada, ela sofria de insônia!
      Ela relutou em aceitar o convite para se encontrarem, afinal a  renegociação tinha se realizado com sucesso.
       Finalmente aceitou. Era muito bom estar com ele. Entendiam - se bem, se ouviam, riam.
      Amaram - se novamente, mas desta vez, antes que  virasse “abóbora”, ele teve de ir embora. Ela  recolheu seus sapatinhos e entrou no táxi de volta para casa.  Sozinha. Seria sempre assim? Não tinha coragem para perguntar.
      Seu telefone tocava nas horas mais diversas, e ela sempre alerta. O telefone dele só poderia tocar em horário comercial.
      Não tinha dia certo e muito menos hora certa para chegar em sua casa. Avisava que estava chegando. Simplesmente. Algumas vezes ela não tinha tempo para se arrumar, outras se arrumava e esperava, esperava e cansava de esperar. Mas tinha que  controlar sua ansiedade e raiva até o próximo horário comercial para descobrir o que de fato havia acontecido. E os fatos passaram a ser constantes.
      O prazer deixou de ser intenso. Acabavam de fazer amor e não tinham o que dizer. Ele esperava educadamente alguns minutos. Vestia-se e partia.
      Sempre que ele partia, ela tentava organizar seus pensamentos e seus sentimentos e quanto mais tentava , mais confusa se sentia. Então levantava, trocava os lençóis e ia tomar um bom banho.
       Sofria de insônia e medo de solidão.

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