Quando seu celular tocou não
reconheceu o número. Animada atendeu, afinal, um número estranho pode se tratar
de algo além de um simples engano.
A voz do outro lado disse seu nome em tom de pergunta, era alguém
querendo realmente encontra-la, fato que lhe trouxe muita felicidade,
principalmente por ser uma voz masculina. Poucos homens a procuravam.
Bastaram três palavras para que soubesse de quem se tratava, mas fingiu
não lembrar. Só tinham se visto uma única vez, numa noite daquelas que saímos
dispostas a realizar loucuras. E de fato fazemos loucuras!!!
Depois que ela se “recordou” da pessoa com quem falava, a conversa tomou
rumos mais íntimos, relembrando os momentos loucos e deliciosos que viveram...
Desejaram felicidades para o ano que acabava de começar, contaram onde haviam
passado o Natal, enfim, o papo apesar de diversificado foi rápido, pois ela
estava no meio da rua tentando pegar um táxi.
Quando entrou no carro já havia
desligado o telefone e se desligado do mundo, tomada por uma sensação boa que
há muito não sentia. Desejava e muito que ele ligasse, mas dada as
circunstâncias em que haviam se conhecido, acreditava que não passaria de uma
noite apenas. Única e inesquecível, ao
menos para ela.
Era época de final de ano, tempo em que todo o estresse do mundo se
concentra somente dentro de nós, os problemas pipocam, o cansaço é desesperador.
Para ela todo final de ano era assim. Tinha a sensação de que Deus a esquecia durante o ano todo e, para não se sentir
injusto em relação as outras pessoas que havia passado um ano de cão, despejava
de vez, todos os pepinos, abacaxis e jacas que deveriam ter sido paulatinamente
distribuídos ao longo dos meses...
Tinha acabado um namoro antigo, daqueles do tipo certificado de curso de
datilografia do SENAC, perde-se a utilidade, mas não conseguimos jogar no lixo.
Faz parte da nossa história. Logo, não estava mal, apenas desacostumada com sua
nova situação.
Para dar uma relaxada, mesmo em
plena semana, foi a vernissage de uma
amiga.Na verdade não poderia faltar,havia acompanhado todo o processo de
criação de perto e foi uma das grandes incentivadoras. Tomou uma, duas, três,
quatro, taças de vinho e já era a mais
animada do grupo para esticar a noite em uma quadra de escola de samba.
Entrou na quadra e no clima! Liberou
a mulata ancestral da sua árvore genealógica. O mais impressionante é que ela
estava incrivelmente sensual no seu modo desengonçado e desequilibrado de
sambar. Foi o que disseram os amigos, os
mesmos que a acompanharam no vernissage, nas taças de vinho e nas atuais
latinhas de cerveja.
O melhor de tudo é que fazia tempo que ela não se divertia tanto! Não
sabia sambar mas adorava samba, o sangue entrava em ebulição ao som da
bateria... Estava em êxtase carnavalesco! Exatamente o que chamou a atenção do
homem alto, bronzeado e de sotaque carregado que se aproximou dela.
Trocaram algumas gracinhas inteligentes e atracaram - se num beijo de
provocar inveja em qualquer um dos sambistas presentes. Ambos ignoraram os
amigos. Dançavam, sorriam, conversavam, brincavam e se beijavam como velhos
conhecidos!
Atraídos por uma necessidade de sentirem-se íntimos de um estranho,
continuaram a madrugada no apartamento dele.
Não pensaram nos riscos que corriam. Ele, poderia ser um louco, tarado
que freqüenta quadras de escolas de samba com o intuito de atrair
suas vítimas para o local do crime, que em seus planos macabros de
assassino em série chama carinhosamente
de “zona de dispersão”, utilizando um jargão carnavalesco. Ela, poderia ser uma
ladra experiente, que se diverte quando a vítima é interessante e depois lhe
aplica um “boa noite John Boy” utilizando uma técnica desenvolvida no melhor
estilo Mata Hari de ser.
Na realidade o único risco que importava para eles naquele momento era o
de não se agradarem. Mas isso definitivamente não aconteceu. A madrugada
continuou sendo maravilhosa. Falaram de suas vidas, brevemente, é verdade,
sem muitos detalhes, um currículo superficial, somente para aplacar a
curiosidade e consciência. Não tinham a intenção de se apegarem a bobagens. Tinham mais o que fazer. Cada um com
seus motivos, precisava daquele momento
de prazer verdadeiro.
Quando o dia amanheceu ele a deixou no trabalho. Se despediram com carinho e respeito, tão
verdadeiros quanto o prazer trocado. Ao descer do carro teve a certeza de que
jamais voltaria a encontrá-lo. Até
receber o tal telefonema. Seria Deus tentando remediar-se?
Assim que chegou em casa contou para uma amiga que sabia de toda a
história e que também tinha plena convicção de que ele não ligaria nunca mais.
A justificativa? Havia cedido no primeiro encontro... O secular machismo...
Mulheres não podem ceder aos seus impulsos e desejos?
Nem todos os homens são hipócritas.
Felizmente!
Nos dias seguintes continuaram se falando, pelo telefone. Ela sabia que
ele vivia uma relação complicada, era digamos... comprometido. Mas estava em
processo de separação. Morava há pouco
no Rio de Janeiro, e gostava da companhia dela, do jeito dela, das coisas que
ela fazia e dizia. Eram diferentes, mas se curtiam, de maneira igualmente
diferente.
Por várias vezes ela pensou em não atender aos seus telefonemas, em
esquecer, deixar na lembrança. Mas não conseguia, estava encantada!
Havia certo limite da parte dele,
ela sabia de sua vida até a página cinco. Ele em compensação tinha até as suas
referências bibliográficas.
Um dia com toda a verdade que possuía, ele ligou dizendo que estava em renegociação
com a quase futura ex - esposa. Não poderiam mais se encontrar. Ela, com a
mesma segurança da mulher moderna que sempre demonstrou ser, lhe deu completa
razão e incentivo. Sempre acreditou que de um jeito qualquer, fora da
normalidade, ele gostava da mulher.
Seguiu sua vida, com a mesma sensação de quando desceu do carro dele
naquela primeira vez. Desejava reencontra-lo, mas sabia que as possibilidades
eram mínimas.
Uma tarde, quieta em casa, o telefone tocou. Dessa vez, reconheceu o número.
Colocaram o papo em dia. Naquela tarde e em outras tardes e madrugadas. Sempre
se falavam de madrugada, ela sofria de insônia!
Ela relutou em aceitar o convite para se encontrarem, afinal a renegociação tinha se realizado com sucesso.
Finalmente aceitou. Era muito bom
estar com ele. Entendiam - se bem, se ouviam, riam.
Amaram
- se novamente, mas desta vez, antes que virasse “abóbora”, ele teve de ir embora.
Ela recolheu seus sapatinhos e entrou no
táxi de volta para casa. Sozinha. Seria
sempre assim? Não tinha coragem para perguntar.
Seu telefone tocava nas horas mais diversas, e ela sempre alerta. O
telefone dele só poderia tocar em horário comercial.
Não tinha dia certo e muito menos hora certa para chegar em sua casa.
Avisava que estava chegando. Simplesmente. Algumas vezes ela não tinha tempo
para se arrumar, outras se arrumava e esperava, esperava e cansava de esperar.
Mas tinha que controlar sua ansiedade e
raiva até o próximo horário comercial para descobrir o que de fato havia
acontecido. E os fatos passaram a ser constantes.
O prazer deixou de ser intenso. Acabavam de fazer amor e não tinham o
que dizer. Ele esperava educadamente alguns minutos. Vestia-se e partia.
Sempre que ele partia, ela tentava organizar seus pensamentos e seus
sentimentos e quanto mais tentava , mais confusa se sentia. Então levantava,
trocava os lençóis e ia tomar um bom banho.
Sofria de insônia e medo de
solidão.