27 outubro 2015

PALOMAS

Sua aparência causava em alguns, nojo. Em outros, pena ou ainda medo. Mas o certo é que era impossível ser indiferente a sua estranha figura. Perambulava pelas ruas do bairro cotidianamente. Não para esmolar, mesmo porque, ela não falava com ninguém! Caminhava como se não existissem seres humanos ao seu redor. Ignorava toda a gente. Seguia seu itinerário diário, obedecendo sempre os mesmos horários, sob sol ou chuva!
         O vestido vermelho de alças, longo,  saia rodada, por debaixo uma camisa branca de um tecido que, apesar de velho e gasto, podia –se notar que era fino,as mangas compridas de punho bordado.  Um xale estampado que um dia teve lindas franjas, arrematava o figurino .
Os cabelos castanhos eram longos, lisos e muito ralos. Pés descalços. Nos dedos muitos anéis,nos braços muitas pulseiras e nas mãos carregava sempre um pombo. Por onde passava deixava no ar um odor nada agradável, mistura de perfume doce com suor. Mas o que realmente chamava a atenção das pessoas que por ela cruzavam, era o seu rosto.
         Não possuía nenhuma deformidade, pelo contrário, se bem observado poderia-se notar uma certa beleza! Mas era, no entanto, coberto por uma maquiagem pesada, carregada. Sombra escura, olhos delineados com um lápis preto forte, batom vermelho ou rosa muito escuros sobre um espessa pasta branca que cobria toda a sua face, completavam a máscara da tal andarilha, personagem misteriosa que aguçava a curiosidade de muitos e causava inveja nos mais sensíveis por ter conseguido alcançar um estágio de liberdade em que podia simplesmente ser!
         A mulher do pombo, como a chamavam, era tema constante de conversas e bate-papos. Todos especulavam, imaginavam sua origem, seu passado, buscando compreender seu presente.
         Andava durante todo o dia carregando um pombo nas mãos, único companheiro, somente com ele falava, mas muito baixinho, sempre em tom de segredo.  
         Por que justamente aquele bairro? Por que sempre as mesmas ruas? Por que sempre os mesmos horários? Será que perdera algo ou alguém naquele lugar? Será que realmente procurava algo? Seria apenas mais uma louca moradora de rua? Mas onde conseguia as pinturas? Onde se alimentava?  Nunca viram – na comendo! Teria passado por um trauma?Quantas perguntas surgiam em torno dela...
         Enquanto isso, enquanto as pessoas tentavam achar explicações para seu modo de agir, ela simplesmente seguia existindo, sem importar-se com o que pensavam dela ou de suas atitudes.
         A sensação que ela imprimia era,como se todos nós fôssemos os excluídos, os diferentes, tamanha força que possuía no olhar, no caminhar, no conversar com seu amigo pombo.Completamente indiferente ao nojo, a pena, a curiosidade ou a qualquer outro sentimento que viessem a sentir por ela.
         Não precisava fazer o que os outros esperavam dela, não precisava estar na moda, não precisava  sorrir sem vontade, nem ouvir calada desaforos,nem aceitar de bom grado o destino imposto,  tentando sentir um pouco de felicidade comparando suas desventuras  com as desventuras alheias, criando uma escala medida por desgraças!
         A mulher do pombo incomodava, apesar de sempre levar consigo a paz.
          

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