Sua aparência causava em
alguns, nojo. Em outros, pena ou ainda medo. Mas o certo é que era impossível
ser indiferente a sua estranha figura. Perambulava pelas ruas do bairro
cotidianamente. Não para esmolar, mesmo porque, ela não falava com ninguém!
Caminhava como se não existissem seres humanos ao seu redor. Ignorava toda a
gente. Seguia seu itinerário diário, obedecendo sempre os mesmos horários, sob
sol ou chuva!
O vestido vermelho de alças, longo, saia rodada, por debaixo uma camisa branca de
um tecido que, apesar de velho e gasto, podia –se notar que era fino,as mangas
compridas de punho bordado. Um xale estampado
que um dia teve lindas franjas, arrematava o figurino .
Os cabelos castanhos
eram longos, lisos e muito ralos. Pés descalços. Nos dedos muitos anéis,nos
braços muitas pulseiras e nas mãos carregava sempre um pombo. Por onde passava
deixava no ar um odor nada agradável, mistura de perfume doce com suor. Mas o
que realmente chamava a atenção das pessoas que por ela cruzavam, era o seu
rosto.
Não possuía nenhuma deformidade, pelo contrário, se bem
observado poderia-se notar uma certa beleza! Mas era, no entanto, coberto por
uma maquiagem pesada, carregada. Sombra escura, olhos delineados com um lápis
preto forte, batom vermelho ou rosa muito escuros sobre um espessa pasta branca
que cobria toda a sua face, completavam a máscara da tal andarilha, personagem
misteriosa que aguçava a curiosidade de muitos e causava inveja nos mais
sensíveis por ter conseguido alcançar um estágio de liberdade em que podia
simplesmente ser!
A mulher do pombo, como a chamavam, era tema constante de
conversas e bate-papos. Todos especulavam, imaginavam sua origem, seu passado,
buscando compreender seu presente.
Andava durante todo o dia carregando um pombo nas mãos, único
companheiro, somente com ele falava, mas muito baixinho, sempre em tom de
segredo.
Por que justamente aquele bairro? Por que sempre as mesmas
ruas? Por que sempre os mesmos horários? Será que perdera algo ou alguém
naquele lugar? Será que realmente procurava algo? Seria apenas mais uma louca
moradora de rua? Mas onde conseguia as pinturas? Onde se alimentava? Nunca viram – na comendo! Teria passado por
um trauma?Quantas perguntas surgiam em torno dela...
Enquanto isso, enquanto as pessoas tentavam achar
explicações para seu modo de agir, ela simplesmente seguia existindo, sem
importar-se com o que pensavam dela ou de suas atitudes.
A sensação que ela imprimia era,como se todos nós fôssemos os
excluídos, os diferentes, tamanha força que possuía no olhar, no caminhar, no
conversar com seu amigo pombo.Completamente indiferente ao nojo, a pena, a curiosidade ou a
qualquer outro sentimento que viessem a sentir por ela.
Não precisava fazer o que os outros esperavam dela, não
precisava estar na moda, não precisava
sorrir sem vontade, nem ouvir calada desaforos,nem aceitar de bom grado
o destino imposto, tentando sentir um
pouco de felicidade comparando suas desventuras
com as desventuras alheias, criando uma escala medida por desgraças!
A mulher do pombo incomodava, apesar de sempre levar consigo
a paz.